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domingo, 2 de junho de 2013



OS POMBOS PRETOS


Como os pombos pretos

Sabem tampar o sol

Enquanto caçam mariposas.

São românticos

Dando na boca das esposas.

E eu na cadeira de balanço

Vendo tudo.

Surgiu no meu peito

Um furo.

Como fiquei assustado

Quando aquele pombo preto

Saiu dele.

Olhei para os lados,

Lá no asfalto

Os pombos comiam

Sem perceberem o que eu fazia,

Coloquei o dedo e abri

O buraco que fazia de mim um arco.

Entrei no coração

E me escondi

Do mundo medonho.

Sai depois de algumas horas

E o mundo

Estava devastado.

Aquele pouco tempo

No coração

Foram anos do lado de fora.

Andei pelas ruas,

As casas eram pombais medonhos,

Não tinha estrelas,

Não tinha sol, nem lua.

A rua era coisa crua.

Sem poesia,

Nem mesmo a dos miseráveis.

Nem mesmo a do augusto.

Pombos e mais pombos,

Como corvos negros,

Era a performance que se via.

Neste mundo,

Vivo dentro do coração.

Bondade,

Paz,

Tranquilidade
 
Que não deixa envelhecer.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

O INTERCÂMBIO


Por Sidiney Breguêdo
 
Zuleica foi à casa da cunhada. Pra quê?
Descobriu que a outra tinha entrado em um programa de intercâmbio. Para aprender outra língua. Tinha agora um homem negro andando pela casa, completamente nu.
Ela, que estudava francês ficou pensando naquilo. E o homenzarrão passava de um lado a outro com as coisas balançando. A cunhada parecia não importar, dizia que estava aprendendo com facilidade a língua a que se propunha. Quanto à nudez, achou que fosse cultural, não teve coragem de perguntar.
Foi para casa e ficou sonhando. “hora, se a cunhada tinha um, por que ela não poderia?” Resolveu pedir o seu. Não falou nada para o marido, porque, afinal, era muito caro e não queria assustá-lo.
Três dias depois chegou a caixa. Parecia uma geladeira e não despertou a curiosidade dos vizinhos. Ficou no meio da sala. Zuleica sentada no sofá não sabia o que fazer. Tinha até medo de abrir. E se ele estivesse pelado? Será que o marido poderia lhe emprestar uma roupa. Melhor não. Lembrou-se do negro na casa da cunhada, era um pecado vesti-lo.
Decidiu que era melhor abrir. Afinal, lá dentro tinha um homem cansado. Havia atravessado o oceano e deveria precisar descansar. Foi tirando as tiras de papelão apreensiva, estava bem empacotado. A surpresa não foi pouca quando escutou a voz dentro da caixa.
─ Vamos, madame,  rebola!
Era um português de nordestino. Daqueles bem brasileiros. Terminou de desembrulhar o produto, mas ficou desconfiada.
Lá de dentro saiu um homem baixo que de negro não tinha nada. Embora estivesse nu, Zuleica ficou decepcionada. Não sabia como devolver o produto, mas foi a primeira coisa que pensou.
Tinha alguma coisa de falso nele. Já chegou com um maço de cigarros na mão e a caixa onde veio era uma catinga só.
A mulher passou a desconfiar de que fosse um perigoso bandido. Naquele dia não quis saber de treinar a língua francesa. O baixinho, por outro lado, também não se apresentou para o ofício, sentou no sofá, ajeitou os bagos e pegou o controle da tv tela plana.
Da cozinha fazendo o almoço escutava a zoada. Volta e meia ele passava, com as coisa penduradas, aquela cara previsível nos livros de Lombroso, bebia água e voltava para a sala. Às vezes entrava no banheiro, fazia uma zoada medonha de xixi na água do vazo. Essa era a rotina.
O marido chegou e ele estava lá. Peladão. E o pior: com o controle na mão. O marido voltou vermelho para a cozinha, por onde havia entrado.
─ Zuleica, tem um homem pelado lá na sala!
─ Calma, amor, eu explico!
E ela falou do programa de intercâmbio. Mas também falou para ele da sua frustação. Não que estava esperando um negro alto e bonito, falou para o marido que estava desconfiada daquele homem. O português dele era muito correto para um estrangeiro. Achava que iria aprontar.
De fato, o marido também ficou desconfiado. Colocou uma faca na cintura, mas a mulher o desestimulou de qualquer besteira. Não sabiam o quanto poderia ser perigoso. Aquele homem parecia ser muito frio e o mataria com as próprias mãos.
Ficaram presos, de certa forma, tinham medo de o homem pegar a tv de tela plana, por isso não saiam de casa. Os três ficavam vendo televisão e nada das aulas de francês começar. Zuleica nem queria. Esqueceu-se das aulas de francês, só pensava em se ver livre daquele homem esquisito.
Já tinha uma semana sem ir trabalhar o marido. O homem passava a tarde dormindo dentro da caixa. Era um folgado. Na repartição pensavam que Oscar, como era chamado o marido de Zuleica, tinha morrido ou coisa parecida. Foi, então, uma comitiva para a casa deles. Até o Zacarias, com quem não se dava muito bem, chegou todo preocupado. Logo na entrada, deu um pulo para trás. Deparou-se com o homem nu.
─ Opa, o que é isso Ceará!
Depois de tudo explicado em sutis cochichos pelos cantos, estavam todos solidários ao problema e o estrangeiro nem tchum. Até os vizinhos já sabiam do homem nu da Zuleica. Estavam achando uma pouca vergonha. Ficavam fazendo de conta que varriam a rua só para desgraçar a vida da pobre. Diziam:
─ O marido tem um jeito de corno!
─ Não tem?
Foi aí que o Zacarias teve a ideia. Subiu na telha e ficou correndo lá encima. Fazendo zoada, como zoada de gato namorando no telhado. Nada. Nem o fez bocejar.
Como Zuleica não era de muita conversa foi para a cozinha passar um café, o primeiro a encher a xícara foi o atrevido do estrangeiro. Deslizou por entre a multidão e saiu chupando o café, fazendo aquele barulho horrível, que Zuleica tanto odiava. Era igual quando o marido comia sopa de macarrão, chupava fazendo zoada, deus me livra, pensava ela.
Bom, o fato é que todos estavam na cozinha bebendo café e não a viram sair de mansinho. Foi direto lá na caixa. O poliglota estava refastelando, um ronco gostoso depois de um cafezinho. Quando acordou estava todo amarrado. A mulher ao seu redor com os punhos cerrados. Saiu água dos olhos do moço, mas ela bateu nele mesmo assim. Não parecia tão mau. Encolhido e pelado lembrava uma ratazana molhada.
Quando o povo percebeu, Zuleica já tinha feito o serviço. Agora era só embalar e mandar de volta através do programa televisivo “de volta para minha terra”.
A mulher não se esqueceu da despedida, Au revoir.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Tamanho


AMIGO

Meu amigo, não me esqueci
Nunca de você.
Noites eu amanheci
Na companhia branda
Vossa sombra,
Éramos árvores pequenas,
Fugíamos para os bares
E nos abraçávamos, tanta era
A bebedeira.
Com o pensamento sombrio
Balançávamos nossa bandeira.
Tu aleijavas mudar o mundo,
Não aceitava a fome
Na mesa brasileira.
Era um tempo em que eu
Ainda não havia
Amanhecido minhas idéias,
Meu corpo pairava ao longo
Do teu
A escutá-lo.
O que me ensinaria em uma
Mesa de bar,
Dissolvido dentro de uma taça
De vinho?
Engraçado ensinar-me-ia tudo!
Se hoje conheço
Que o meu destino é perdoar,
Foi naquela mesa de madeira
Sobre a égide
Da tua bandeira
Que me pus a pensar.
Como poderia conhecer
A sexta lua,
Se a casca grossa
E poeirenta da rua
Era a única peça do olhar.
Aprendi contigo a ver
Mais alto,
Enxergo hoje o outro lado.
Amigo, tens a fonte onde
Podes banhar-se na sabedoria.
Não guardes pranto para banhares
O rosto.
O obsoleto
Murmurar do vento
É o inseto
Que a nós passeia sedento
Castigando-nos quando lembramos
Da saudade,
Que já não nos encontra
No bar abraçados.
Apenas um sorriso
Sem hino, nem porquê
Solta-se disfarçado
Por entre os rostos madrepérolas.
Ofendido!!!
Eu estou ofendido,
Porque paramos de lutar.
Quantas aves alçam vôo
Na praia...
Nenhuma delas somos nós.
E os pobres
Soltam seus gemidos
Gritando por socorro,
Uma nação de poucos amigos
Descortina-se no horizonte.
E nós dois, amigo,
Somos utopia
Em um livro
De poesia.

Rapadura com farinha


domingo, 31 de março de 2013

HINO DE MORTE

 
 
Meu amor,
Que medo você me colocou,
Jogando contra mim suas palavras,
Que certas ou erradas,
Certeiras, mal armadas,
Atingiram-me o peito.
Você disse que me mata
Se eu te bater.
Você disse que eu nunca mais
Verei minha mãe
Se eu não amar você.
Minha querida garota,
Só existe um Breguêdo,
Este palhaço triste não tem clone,
Este palhaço triste
Não tem peito de super-homem.
Ele é só um,
Não tente destruí-lo,
Um dia ele ainda será
Entre os artistas um mito
A história dele já está escrito.
Não mate esse poeta,
Por favor!!!
Temos nossas diferenças,
Elas nada têm a ver
Com o trovador.
Você namora o homem,
Deixe a humanidade conhecer
O alter ego deste seu amor.
Talvez um dia
Alguém vai entendê-lo.
E vão comprar seus livros,
E vão recitá-lo
Nas rodas de amigos.
Meu amor não me assuste
Com a desproporção do seu carinho,
Minhas metáforas
Não têm espinhos,
Então eu nunca vou
Te machucar.
Minha mãe e o meu pai
São tudo o que tenho,
Além dos livros que nunca
Vou ver publicar.
Não me negue de vê-los,
De vê-los chorar porque me fui,
Como um anjo bom
Que não bate em mulheres com as mãos,
Mas as destrói
Com palavras bonitas
Endereçadas aos seus corações.
Não sei ser bom
Porque não sou,
Sou arroz grosso.
Minha alma é um poço
De tristeza,
Cheio até a tampa
De lágrimas cristalinas e brancas,
Que derramei
Por você.
Não me mate
Sem que eu aprenda a escrever,
Sem que eu passe no vestibular
E aprenda a tocar
Violão
Com o meu coração.
Não me mate
Sem antes eu provar
Seu bolo de cenoura,
Sem que compre uma fazenda
E lhe mostre sobre cavalos brancos
A lavoura.
Ah, minha menina, que
Sempre me esforcei para respeitar,
Eu sou poeta,
Não sou comum,
Estou cortado por dentro.
Gostaria de me esconder de você
Disfarçado de um pé de coentro
Na horta da minha mãe,
Para que ela fosse todos os dias
Me visitar.
Como gosto da minha
Mãezinha!!!
Deixe-me olhá-la cochilar
Na sala
Enquanto posso,
Amanhã pode ser que uma mulher
Maluca me perfure
A carne até os ossos.
Deixe-me beijá-la
Enquanto sou seu filho desempregado,
Amanhã pode ser que uma mulher
Me proíba
Mantendo-me preso em um cadeado.
Mas se deus é bom e existe,
Se ele acredita em mim
E insiste
Que serei um dos maiores poetas da terra,
Espero que ele não crie
Nenhum desastre para mim.
Hoje perdi meu rebolado,
Senti-me deserdado,
Solitário no mundo,
Fui ameaçado no eu mais profundo:
Alguém desejou
Matar a minha pessoa...
Deus que a todos os gênios abençoa
Não deixará que matem
A minha poesia,
Pois tão grande seria a ironia
Se necessário fosse
Dar o pescoço à foice
Para o poeta nascer.
Neste poema resolvi não citar nomes,
Para não delatar meu assassino.
Mas minhas poesias
A partir deste momento,
Que sejam cantadas como um hino,
Que entre por mentes,
Que possua gente,
Que faça o homem amar,
Que faça o homem matar.
Esse é o meu hino,
Um hino de morte.

domingo, 24 de março de 2013

Poeta virtual


SERVIDORES EM TODO O BRASIL SEM REAJUSTE SALARIAL


A ILHA

Sou uma ilha de couve-flor,
Regado
Pelo jardineiro do amor.
Sou tenro,
Espero os navios encalharem,
Sinto suas âncoras no meu pé
E grito
Pela solidão de uma mulher.
O Céu pastoso trespassado pelo sol
Não percebe as belezas que tenho,
Mas eu tenho coco e pau,
Faço feliz quem chegar agui.
Tenho sombra
Para dar segurança a uma mulher.
Minha terra
Tem tesouros banais
De piratas e moleques.
Sou uma ilha,
Dentro de mim,
Córregos correm dos esgotos
Da civilização
E pássaros alardeiam
Uma canção.
As mulheres todas
Querem ser salvas
De mim.
Sou uma ilha...

ALPISTE

Você pode
Mandar tudo
Para a puta que pariu.
Tomar benzina,
Azulejar o olhar
E se matar.
Mas não peça
Desculpas tolas
Por não ter vivido.
Recado bom
É tapa no ouvido.
Atire na goela,
Não faça
Como a girafa magrela
Que passa a vida toda
Escolhendo
Onde amarrar a corda.
Se matar
Está na moda.
Se morda,
Grite,
Vá à puta que pariu.
Veneno
Não é alpiste.

REENCONTRO DA ACLAP

Srs. ESCRITORES CANDANGOS:




Em comemoração ao 42º aniversário da Ceilândia convidamos a todos para um "chá literário" na próxima quarta-feira, dia 27 de março de 2013, às 8:30 da manhã, na sede da Art Letras "editora" (PRO-DF P.Sul, atrás do banco BRB.  Tel. 33761463.

quinta-feira, 21 de março de 2013

ADES com soda caústica


MÁQUINAS E RODAS



Alberto não gostava de motoqueiros. Nunca gostou. Também, era motorista de ônibus já há quarenta anos. Via as motos desfilarem trapaceiras no meio do corredor de carros e faltava se esganar. O sinal abria e elas disparavam. Um borrão de luz vermelha se distanciando. Esnobe. Sim, Alberto acreditava ter razão, os motoqueiros abusavam, com suas máquinas, do tênue fio da vida.
Faltava pouco para se aposentar. Logo Isaura teria que aturá-lo o dia inteiro intrometendo-se nos afazeres da casa. Criticando o feijão, que gostava com o caldo bem grosso. Gritava: "Isaura, cê colocou água neste feijão!" Odiava quando a mulher colocava água no feijão. Para ele, somente deveria usar a água em que o mesmo foi cozinhado. Depois de comer bem, deitava-se no sofá e ligava o televisor. Assim passaria a tarde toda. Preso aos programas mais banais que o sistema de televisão podia veicular.

Era realmente um homem comum. Sempre de casa para o trabalho. Tinha como diversão as molecagens com as moças que entravam no ônibus. Elas ficavam sentadas na parte da frente, antes de passar a roleta. Na verdade o suportavam para não pagar a passagem. Mas isso lhe fazia muito bem.

Era baixinho, de ombros largos e doloridos. Atrás do volante, entretanto, era gigante e assustador. Os outros carros afastavam-se quando passava com sua zoada avassaladora. Assim, seu ronco era grande quando via as magras motos passarem tranquilas por meio dos carros e deixá-lo para trás. Arremessava agressivo no meio do trânsito, com o corpo imenso.

Naquele dia estava com o coração cheio. Distribuindo "bom dia" para todos que entravam. Mas não esperava novidade, sabia o quanto seria chato perseguir motocicletas no asfalto quente. Todavia, a realidade tem suas surpresas e desta vez veio cantarolando. Parou gentilmente para que os outros passageiros entrassem e ainda olhou para os lados, como se devesse algo para os passantes. Era uma mulher. Não qualquer delas. Aquela ali fazia o vento assobiar. E ele assobiava naquele dia. Usava um vestido vermelho. Rodado. Quando subiu, junto com seu sorriso, Alberto não conteve o enorme prazer que sentiu. Estendeu o braço e tentou ajudar a beldade a subir o degrau.
- Nossa! - falou sem perceber.

Ela se limitou a um sorriso lindo, perfumado como seu decote, que avançou primeiro. Não era brasileira, certamente. Guardava traços com o povo argentino. Balbuciou um castelhano doce, mas enlouquecedor como o tango. O ônibus roncando impaciente e o homenzinho de boca aberta, sem saber o que fazer. Os olhos pedindo. Não, implorando para que sentasse ali, perto dele, nas cadeiras reservadas aos idosos e deficientes. Ela juntou os joelhos e assim o fez. Sentou bem próximo. Ele fechou os olhos e respirou o perfume agradecido. Pensou saborear os pensamentos dela, tão doces como ameixas maduras.

Reduziu a velocidade para demorar o máximo aquela viagem. Motos e passageiros não o incomodavam. Não naquele dia. Um azul profundo apoderou-se do céu. As ruas ficaram coloridas de um verde pastoso, como numa tela de Vincent Van Gogh, apenas para dizer o quanto tudo estava perfeito. E o carro deslizava barulhento enquanto os dois comungavam do silêncio maravilhados. A moça de vermelho olhando pela janela enquanto Alberto dirigia absorto em seu paraíso.

Um carro passou com um punhado de crianças e uma estridente música infantil. Balão Mágico, uma lembrança da infância pobre, mas alegre, nos campos cobertos de tocos de quase todas as satélites do Distrito Federal. Como moravam de aluguel, mudavam-se muito, sempre para um lugar mais inóspito.

Ela desceu próximo do Hospital de Base. No ônibus, ficou o perfume doce e um olhar no fundo da alma daquele motorista. Assim, sem perceber, ele ia saudando com a mão os motoqueiros que pediam passagem. Um sorriso bobo na face, como um garoto que esperasse o Papai Noel numa casa com várias chaminés. O dia, portanto, transcorreu mágico, escutando as ladainhas do cobrador sobre suas próprias fanfarrices. Passou a sentir-se especial, já que o outro dizia do seu charme quase que irresistível para cativar a loira de vermelho.

Em casa, Alberto não pode dormir. A respiração da mulher do seu lado o incomodava. Fez um apanhado de todo o tempo que estivera casado. Abismado, descobriu que não era feliz. Começou, então, a matraquear um plano para deixá-la. Desapareceria sem explicação. Nesses dias, pessoas saem para trabalhar e não voltam. Pensariam que foi sequestrado, morto, ou até que encontrou outra. E na verdade, tinha esse direito, depois de quarenta e cinco anos de casamento enfadonho e sem graça.

A mulher entrou no quarto e ele estava cantarolando enquanto se vestia. Em seguida banhava-se de perfume. Ela parou na porta e ficou a observar. Pasma, já que aquele homem não costumava passar nem água nas axilas. Todavia, não achou ruim. Sempre quis que o marido tivesse um pouco de vaidade. Naquela idade, certamente não estaria atrás de um rabo de saia. Então, o que poderia concluir é que sua insistência finalmente deu resultado. Correu nas pontas dos pés e abraçou o marido por trás. Suspirou.

- O que é isso, mulher? - disse ele.
- Ora, nada, só quis abraçá-lo.

- Mas que coisa! Espera, vou trabalhar...
- Podia não ir hoje, certamente o sr. Alvarenga iria entender.

- É verdade, ele está muito feliz comigo depois que atropelei aquele motoqueiro perto do viaduto novo.
- Ora, aquilo foi um acidente, ele sabe disso.
- Quando se trata de mim e de motoqueiro não existe acidente, todo mundo sabe.

A mulher ficou sentada na cama sentindo o perfume no quarto. Pensou... "Meu Deus, que cheiro! Deve estar até vencido este perfume. Tanto tempo que não usa." Abraçou a camisa suja em cima da cama e respirou fundo. O cheiro forte de suor não a trouxe à realidade. Conheceram-se bem jovens. Não era possível esquecer. Alberto era lanterninha no cinema da cidade e Isaura sempre ia lá com um grupo de amigas. As amigas assistiam ao filme, mas ela só tinha olhos para o lanterna baixinho e gentil.

Depois que se conheceram não foi imediato o romance. Ele não parecia interessado nela. As amigas criticavam, apesar de nenhuma delas pagar entrada do cinema. Um dia, sem mais nem menos, ele fez uma proposta. Pediu que ficasse para a última sessão. Assim, poderiam assistir juntos um filme que era bem picante. Isaura não se conteve: correu e contou às amigas. Assim, mesmo depois daquela demora toda, naquele dia fizeram tudo. Correu na cidade que a moça havia engravidado. Casaram-se nestes termos, esperando o bebê chegar, todavia este nunca veio. Mas isso não foi o fim daquele relacionamento. Aparentemente, o casal viveu feliz todos aqueles anos.

Quando Alberto saiu de casa, não deu conta do carro preto que o seguiu. Deixaram que caminhasse até a parada e estacionaram ao longe. Pelos vidros fumês não dava para saber quantas pessoas estavam de campana. O motorista pegou o ônibus de rotina. Saudou os amigos e sentou-se na parte da frente para conversar. Vagarosamente aquele carro seguia o ônibus. Até o terminal onde Alberto começaria seu itinerário.

O cobrador estava efusivo, contando ter visto a tal loira de vermelho perto do terminal. Os dois ficaram confabulando a possibilidade de ela morar por ali. E era estranho, porque encontraram a mulher diversas vezes depois daquele dia. Cada vez mais bonita e sempre muito receptiva e gentil. Entretanto, estava sempre subindo ao ônibus em uma parada diferente. Chegaram à conclusão de que era puta.

Alberto estava arrasado. Entrava em casa triste, sem conseguir esconder o desalento. Aquela mulher maravilhosa não queria seduzi-lo. Não o desejava. A maldita verdade assinava que ela queria apenas andar de graça no ônibus ou que estava querendo ganhar uma parte do seu ordenado. Foi quando jogou tudo para o alto e pensou: "Que se dane!" Ficaria com aquela mulher de qualquer jeito. Custasse o preço que custasse. Criou coragem e aguardou. Sabia que em uma parada qualquer ela iria subir.

Na oportunidade ela já não estava tão bonita, como nos outros dias. Alberto também não parecia tão educado. Saía xingando os motoqueiros pelo caminho, amontoando marchas, como se carregasse gado para o abatedouro. Ali do lado, majestosa, a loira sorria. Parecia gostar mais ainda dele assim. Mas Alberto sabia do embuste. Sabia o que ela queria e iria dar para ela. Deixou o carro descer uma ladeira em alta velocidade e virou para a madame:
- Como vai ser? Acho que já perdemos muito tempo. Talvez você tenha um lugar legal para irmos depois que eu deixar o ônibus.
- Nossa, como você mudou! Disse, com sotaque carregado de quem não aprendeu direito o idioma português.
- Você não percebeu nada!

Ela riu, finalmente aquele ônibus estava desgovernado e se dirigiria para o local que ela esperava. Um vórtice no céu engolia as nuvens e a paisagem verde do plano piloto desmanchou-se num amarelo cru. A moça tentou descer em frente ao Hospital de Base, mas Alberto não deixou. Manteve a porta fechada e disse que naquele dia não deixaria passar. Os passageiros ficaram confusos com aquele impasse. E aos poucos o ônibus foi ficando vazio. Num dado momento o cobrador disse que ficaria perto de um terminal de metrô e assim fez. Agora eram somente os dois naquela balsa triste, onde um homem baixo e comum olhava sério para mulher doce e meiga.

Devolveu o ônibus e pegou emprestado o carro de um amigo. Ela o esperava duas ou três paradas do terminal. Foram para um apartamento em Taguatinga, mobiliado com bastante bom gosto. Ela colocou uma música e trouxe cerveja, que ele bebeu sedento. Soltaram gargalhadas e o homem abraçou a mulher como se ela fosse dele. Desta forma, bruto, quis possuí-la, mas foi só isso. Não chegou a provar do mel que brotava de entre aquelas pernas.

Jogado no chão, ainda acordado, pode ver os três homens entrarem com seus jalecos brancos. Tentou se mexer, mas os membros não respondiam. Dos seus olhos brotou uma lágrima. A mulher maravilhosa estava trocando de roupa. Tirou o vestido vermelho, com o qual tanto sonhou, e pôs um jaleco branco de enfermeira. Neste momento ficou nua na sua frente. Assim, Alberto pode constatar o quanto, de fato, a danada era bonita. O sangue jorrou do corte próximo do seu rim e na memória o batom muito vermelho da loira ainda retratava o êxtase por está ali.

Na rua, escutou o som mórbido de uma moto. Lembrou dos riscos grosseiros que fazia na pista. Foi somente depois de dez dias que Isaura encontrou os restos do marido totalmente carbonizados dentro do carro que emprestara do amigo. Na empresa de ônibus ainda falam da loira. Ela nunca foi ligada aos fatos, mas para alguns, aquele corpo não era dele. Entre um petisco e outro, o que se dizia era que um amigo vivia feliz na Argentina.

Depois da Lei Seca